PROJETO - HISTÓRIA
VIVA DE NOVA CANAÃ - BAHIA
Idealização e Produção - Zilton Rocha e Fernando Matos
ENTREVISTA – LAUDELINO
ROCHA
MOTIVOS DA CRIAÇÃO DE
NOVA CANAÃ
Série – Processo Político
Entrevista concedida a Fernando Matos e Zilton Rocha em Nova Canaã, Bahia, em junho 1987.
Laudelino da Rocha Silva |
Laudelino da Rocha Silva, nasceu em 23 de maio de 1903 na
região do Umbuzeiro, zona rural do município de Poções, no sudoeste da Bahia.
Filho de Severiana da Silva Rocha e de Justiniano da Silva Rocha. Casou-se em
1923, aos vinte anos, com Etelvita de Oliveira Silva que tinha dezesseis anos.
Tiveram dezoito filhos, nove mulheres e nove homens.
Seus pais eram filhos de pequenos camponeses do sertão da Bahia. A sua família, os Rochas, tem origem nos municípios de Ituaçu e Tanhaçu.
Em 1929 dois cunhados seus foram para uma zona que os catingueiros chamavam de “mata” numa alusão à vegetação de grande porte que ocupava toda a região (Mata Atlântica).
Laudelino da Rocha Silva e Etelvita de Oliveira Silva |
Em janeiro de 1930 Laudelino resolveu visitar as famílias dos cunhados. Ele fala do fascínio que lhe causou a região:
“Em janeiro de 1930 fui a Água Fria visitar os parentes, conhecer a Zona da Mata, que até aquela data eu não conhecia. Fiquei encantado de ver os rios perenes com seus córregos, riachos, afluentes correndo permanentemente, sem nunca secar. As pastagens tudo verde, a lavoura de café e cereais em pleno desenvolvimento, a pecuária bovina e porcos, também.”
Voltou eufórico para ver se os cunhados, um inclusive era irmão de sua mulher e o outro seu primo carnal, haviam encontrado alguma terra para vender. Já tinha uma em vista que ele gostou. Ficava contígua à dos cunhados. Retorna à caatinga para providenciar a mudança. A estas alturas o casal já tinha seis filhos: Ademar, Nair, Valdir, Jacy, Flordinice e Dalva que nasceu no dia 26 de agosto de 1930. Saíram do Umbuzeiro no dia 1 de outubro. Dalva contando apenas um mês e cinco dias de nascida. Foram três dias de viagem a cavalo enfrentando sol e chuva, até a nova morada. Ficou na pequena casa que havia na propriedade.
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Justiniano da Silva Rocha e Severiana da Silva Rocha |
Quatro meses depois, recebeu uma carta do seu pai dizendo que alugasse uma casa na vila de Água Fria e fosse buscar a mercadoria, pois ele também queria se mudar para a mata. A seca estava castigando a caatinga. É assim que, no dia 18 de fevereiro de 1931 chegam os burros carregados com tecidos, ferragens, miudezas (produtos de armarinho) e ele deixa a sede da fazenda e vai morar na vila, novamente com comércio em sociedade com seu pai.
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Fazenda de Laudelino Rocha |
Como vimos trouxeram seis filhos. Em Água Fria nasceram oito: Zenith, Walter, Zenaide, Vanildo, Ivan, Wagner Walter, Maria Tereza e Valquíria. Em primeiro de setembro de 1943 mudaram novamente para a sede fazenda. Exatamente um ano depois, em primeiro de setembro de 1944, nasceu o 15º rebento, que recebeu o nome dos dois avós, já que ambos se chamavam Justiniano acrescido de outro nome, Zilton que, segundo os irmãos mais velhos, viram numa revista e acharam bonito. Ainda vieram mais três: Aminadab, Valdíria e Regina Gláucia.
Teve loja em Água Fria até 1943. Com o surgimento de Nova Canaã a feira de Água Fria ficou atrofiada, começou a negociar também na nova Vila com o auxílio do filho Jacy. Em agosto de 1943 recebeu proposta do Sr. Leovegildo Matos e vendeu a mercadoria para ele. Fica sete anos sem a loja.
O marido de uma prima sua, Dourival Teixeira, tinha aberto uma pequena loja de tecidos em Nova Canaã. Indo para Salvador fazer compras para o negócio, foi vítima de um acidente fatal em Milagres. Laudelino resolve comprar a mercadoria da viúva e volta a negociar em Nova Canaã.
Conseguiu se tornar uma pessoa muito respeitada e querida tanto em Água Fria quanto em Nova Canaã. Em 1935 foi criado o Distrito de Água Fria e o Sr. Manoel Monteiro Costa foi nomeado escrivão. Poucos anos depois Laudelino Rocha é indicado e nomeado Juiz de Paz, cargo que exerceu por vários anos.
Os relatos a seguir
foram feitos por Laudelino Rocha em um livro de memória (1999). Um dos
fundadores da cidade de Nova Canaã. Foi comerciante, comprador de café, Juiz de
Paz e um influente cidadão no início da colonização da região.
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Povoado de Água Fria |
Permaneceu em Água Fria de fevereiro de 1931 a setembro de
1943 com o ramo de loja e compras de café. Em termos de negócio não fora tão
vantajoso, visto que o café, produto dominante da região na época, ter baixado
muito o preço, por causa da revolução de 30 no Brasil.
Em 1935 foi criado por lei o distrito de Água Fria, passando
Água Fria a Vila, distrito do município de Poções, (Decreto Estadual nº 9.490
de 24 de abril de 1935). Foi nomeado escrivão do cartório o Sr. Manoel Monteiro
Costa, por intervenção política do seu cunhado, Júlio Silva, de influência
política em Poções. Também foram nomeados para juízes de paz do distrito recém
criado, os Srs. Ramiro Souza, titular; Leovegildo Mattos, 10 suplente; Antônio
Duarte, 2 suplente; e Laudelino Rocha, 31 suplente; todos apresentados pelo
Leovegildo, representante político do distrito junto ao Prefeito.
Aconteceu, porém, que o Sr Rarmiro Souza exerceu o seu
mandato o tempo certo e passou o exercício ao Sr. Lovegildo Mattos e esse
havia sido eleito para vereador da
Câmara de Poções, e não podia exercer. Passou o exercício ao Sr. Antônio
Duarte. Esse, alegando morar na fazenda, um pouco longe, renunciou e passou o
exercício a mim, 3ºsuplente. Não me lembro quantos anos fiquei no exercício.
Sei que tirei eu o tempo de Leovegildo, de Antônio Duarte e o meu, e mais até
quando o Prefeito mandou fazer novas nomeações. Depois desse período fui
nomeado duas vezes mais, sempre trabalhando muito mais do que o tempo do
mandato, sempre de acordo com os Prefeitos de então. Como Juiz de casamento
recebia apenas remuneração que os escrivães cobravam das partes, no caso de um
acerto de questão, que é o que mais aparece para o Juiz de Paz.
Em 1938 ou 39, depois da 2º Constituinte, da revolução de
30, quando Getúlio Vargas entrava no auge dos golpes, das rasteiras do Estado
Novo. Estavam em evidência o integralismo, o comunismo, o nazismo, o fascismo,
até mais adiante a Bomba Atômica, energia nuclear, eletrônica, Marcone
iluminando o Cristo do Corcovado, no Rio. Atualmente, só se fala em mísseis,
informática, guerra química, etc. Nós aqui, nesse cantão do Brasil, só sabíamos
de alguma notícia quando alguém ia â cidade, que trazia jornal, já falando
também na 2ª Guerra Mundial.
Nesse período, entrou o rádio no Brasil, e na Bahia
só havia em Salvador. Depois é que chegou ao interior e Poções, por intermédio
do gringo Bráz Labanca, que já estava adquirindo em Salvador, por
correspondência, numa casa do ramo.
Nós, de Água Fria, tivemos ideia e compramos um rádio pra
coletividade. Mandamos informar do Braz, fizemos uma lista dos comerciantes e
alguns fazendeiros, levantamos a importância e o Cantídio Rodrigues, que era
comerciante, incumbiu‑se de adquirir o rádio, por intermédio do Bráz, pagando à
vista. Poucos dias depois, chegou o Rádio em Poções, um Phillips, do tamanho de
uma TV de 18 polegadas. As pilhas eram uma bateria de caminhão.
No principio do ano de 1941 o Sr. Leovigildo Matos,
representante político do Prefeito de Poções em Água Fria, numa palestra depois
de uma reunião da sociedade beneficente, com diversos sócios e mais pessoas
moradoras em Água Fria, informou que o Prefeito havia dito a ele a respeito de
Água Fria: que "se eu e os moradores do distrito não tomássemos cuidado,
mais tarde seria anexado a Iguaí, cujo povoado estava desenvolvendo muito e
Água Fria estava estacionada. Eu (Love), respondi: Que melhoria podemos fazer
se o local de maneira nenhuma tem jeito de aumentar? Respondi ao Prefeito que a
melhoria que posso fazer é ver se consigo comprar um terreno por aqui por perto
que dê para a construção de uma nova sede e dar ao povo para construir, nem só
os daqui como outras pessoas que vinham de fora nos ajudar 0 Prefeito (Dr.
Peixoto) me respondeu que em termos de melhora para o distrito, pudesse contar
com ele no que fosse possível. Visto isso, quero saber a opinião de vocês, se
estão de acordo com a idéia?" No momento não houve um só protesto.
Aparentemente todos aprovaram. Leovegildo saiu satisfeito e disposto a comprar
o terreno, tendo em mira a fazenda Caldeirão, que foi de João Câncio, que há
poucos meses havia vendido a Abílio Brito.
Leovegildo mandou buscar em Ibicuí o Dr. João Batista,
engenheiro que morava lá, para vir fazer o traçado da cidade que ainda ia nascer,
só com nome escolhido de Nova Canaã, nome da Igreja Batista de Água Fria. Acho
que foi influência do Sr Ramiro Souza e outros batistas de Água Fria, que
sugeriram ao Sr, Leovegildo pôr o nome da Igreja local.
Chegando o engenheiro agrimensor e o Sr Clemente Baliseiro
residente em Itajaí, pessoa muito conhecida na região por causa da sua
profissão. Já os trabalhadores de Sr. Love estavam de prontidão no local, à
espera do engenheiro, para auxiliar no serviço. Dr. João Batista chegou,
observou a topografia do terreno e deu inicio ao serviço de locação das
primeiras ruas e praças da cidade ficando algumas ruas a periferia sem terminar
a locação porque ainda havia matas e calpoeirões, que foram feitos por último,
quando tudo limpo, Digo isso com base, porque acompanhei o serviço ate o fim,
quase todos os dias. Durante o serviço eu sala de Água Fria, passava na fazenda
que divisava com a fazenda em apreço, dava algumas determinações, descia, ia
ficar com eles ajudando também ou batendo papo com o Dr. João, seu Love e o
Clemente. Meio dia, seu Love mandava ir a fazenda buscar o almoço vinha um
caldeirão de feijoada de todo tamanho. Eu almoçava com eles na sede da fazenda,
onde estavam os trabalhadores hospedados e guardado o material de trabalho.
Sei que no dia 21 de outubro de 1941 terminou se o serviço
de locação Me lembra como se fosse hoje estávamos reunidos na praça principal,
em cima da estrada de pedestre, Teotônio escolheu a "quina" de cima,
onde é o Bar Central, hoje sapataria Eu escolhi a "quina" de baixo,
onde é a padaria de Moreno. Seu Love então ficou na outra quina, onde ficava o
Banco do Brasil
As construções começaram em 1942. Seu Love ordenou que todos
que quisessem construir, procurassem o encarregado de tirar alinhamento pra
saber onde estava desocupado e fazer o alinhamento. Também não aceitava
construir casa coberta com palhas nas principais ruas, e que dava direito
também a quem quisesse construir fogo, usar um resto de madeiras num pedaço de
mato que havia pertinho, e tirar pedras também, de graça.
Em 1942, quando começaram as construções, apareceu
tanta gente da região, e de fora também, a construir, que no fim do ano as ruas
e a praça já estavam quase todas tomadas de casas já construídas, e outras em
construção. Seu Love, como tinha olaria e dinheiro, com poucos dias estavam
prontos um cômodo para comércio e uma casa de residência na esquina que ele
escolheu.
Dai surgiam os protestos e a má vontade contra Leovegildo.
Uns diziam que se ele tivesse interesse por Água Fria, ali mesmo poderia
melhorá‑la. Eu, como a favor da ideia da mudança, discutia com os
"contras" dizendo que ali não havia jeito de melhorar, pois se não
havia espaço de colocar uma casa a mais, como iria melhorar sem aumentar o
comércio e a população?
Laudelino, apesar de ser adepto da mudança, estava também
sofrendo as consequências da mesma, em termos de negócio e outros fatores.
Primeiro não pude construir a casa pra negócio em Nova Canaã, na posse onde
havia marcado pra levar a loja para lá. Segundo, no princípio de 1942, Valdir
havia terminado o primário e tinha interesse de estudar e, por influência do Osires
Marques, que estudava em Jaguaquara, ele também se interessou de ir estudar lá.
Foi preciso levá‑lo e interná-lo no Colégio Taylor Egídio, a fim de continuar os
estudos.
De 1930 a década de 1960 a lavoura de café, que predominava
na região, por isso toda fazenda, por pequena que fosse se tivesse lavoura de
café precisava ter agregados. Ou seja, mais famílias na propriedade para
aproveitar o serviço das mulheres na luta da colheita do café.
Na mesma década de 1960, coma erradicarão do café
na região, houve o êxodo dessas famílias; para as cidades circunvizinhas, e
para São Paulo.
Em 1961 Nova Canaã finalmente
se separou do município de Poções por força da Lei Estadual nº 1.540, de 8 de
novembro de 1961, publicada no Diário Oficial de 12 de novembro de 1961. Em
1962 foram organizadas eleições municipais, onde foi criado o Partido
Republicano (PR) local, por Manuel Monteiro Costa, que teve como candidato
Jezimiel Norberto da Silva para primeiro prefeito de Nova Canaã, com o apoio
dos seus amigos correligionários, inclusive de Leovegildo Rodrigues de Matos,
que fazia parte do diretório do PSD (Partido Social Democrático). Havia mais
dois candidatos, Samuel Miranda (PSD) e Antônio João de Oliveira (UDN - União
Democrática Nacional). Em 3 de outubro de 1962 foi eleito o candidato do PR, o
pastor Jezimiel Norberto da Silva.
EDIÇÃO - Fernando Matos
MONTAGEM - CURA FILMES – 2015
Depoimento de Laudelino Rocha, sobre os acontecimentos que ocorreram desde 1930 no Povoado de Água Fria e na Construção da Cidade de Nova Canaã – História da colonização, política, Segunda Guerra Mundial, emancipação política do município de Nova Canaã e suas divisas originais. Sr. Lau, nasceu em 23 de maio de 1903 na região do Umbuzeiro, zona rural do município de Poções, no sudoeste da Bahia. Filho de Severiana da Silva Rocha e de Justiniano da Silva Rocha. Casou-se em 1923, aos vinte anos, com Etelvita de Oliveira Silva que tinha dezesseis anos. Tiveram dezoito filhos, nove mulheres e nove homens. Teve uma vida longa 105 anos, participando ativamente dos acontecimentos contemporâneos nessa longa existência, sempre muito lúcido
ResponderExcluirLevei depois de muitos anos no local onde foi demolida Água Fria,o nosso amigo Zé Da Paz ele era filho de Valério Preto, Zé chorou quando não viu mais nada da sua infância,a igreja ja demolida e outros pontos o mesmo chorou copiosamente.
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