segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

MOTIVOS DA CRIAÇÃO DE NOVA CANAÃ - LAUDELINO ROCHA

PROJETO - HISTÓRIA VIVA DE NOVA CANAÃ - BAHIA
Idealização e Produção - Zilton Rocha e Fernando Matos

ENTREVISTA – LAUDELINO ROCHA
MOTIVOS DA CRIAÇÃO DE NOVA CANAÃ
Série – Processo Político

Entrevista concedida a Fernando Matos e Zilton Rocha em Nova Canaã, Bahia, em junho 1987.

Laudelino da Rocha Silva

Laudelino da Rocha Silva, nasceu em 23 de maio de 1903 na região do Umbuzeiro, zona rural do município de Poções, no sudoeste da Bahia. Filho de Severiana da Silva Rocha e de Justiniano da Silva Rocha. Casou-se em 1923, aos vinte anos, com Etelvita de Oliveira Silva que tinha dezesseis anos. Tiveram dezoito filhos, nove mulheres e nove homens.

Seus pais eram filhos de pequenos camponeses do sertão da Bahia. A sua família, os  Rochas, tem origem nos municípios de Ituaçu e Tanhaçu.

Em 1929 dois cunhados seus foram para uma zona que os catingueiros chamavam de “mata” numa alusão à vegetação de grande porte que ocupava toda a região (Mata Atlântica).

Laudelino da Rocha Silva e
Etelvita de Oliveira Silva
Em janeiro de 1930 Laudelino resolveu visitar as famílias dos cunhados. Ele fala do fascínio que lhe causou a região:

“Em janeiro de 1930 fui a Água Fria visitar os parentes, conhecer a Zona da Mata, que até aquela data eu não conhecia. Fiquei encantado de ver os rios perenes com seus córregos, riachos, afluentes correndo permanentemente, sem nunca secar. As pastagens tudo verde, a lavoura de café e cereais em pleno desenvolvimento, a pecuária bovina e porcos, também.”

Voltou eufórico para ver se os cunhados, um inclusive era irmão de sua mulher e o outro seu primo carnal, haviam encontrado alguma terra para vender. Já tinha uma em vista que ele gostou. Ficava contígua à dos cunhados. Retorna à caatinga para providenciar a mudança. A estas alturas o casal já tinha seis filhos: Ademar, Nair, Valdir, Jacy, Flordinice e Dalva que nasceu no dia 26 de agosto de 1930. Saíram do Umbuzeiro no dia 1 de outubro. Dalva contando apenas um mês e cinco dias de nascida. Foram três dias de viagem a cavalo enfrentando sol e chuva, até a nova morada. Ficou na pequena casa que havia na propriedade.

Justiniano da Silva Rocha e
 
Severiana da Silva Rocha
Quatro meses depois, recebeu uma carta do seu pai dizendo que alugasse uma casa na vila de Água Fria e fosse buscar a mercadoria, pois ele também queria se mudar para a mata. A seca estava castigando a caatinga. É assim que, no dia 18 de fevereiro de 1931 chegam os burros carregados com tecidos, ferragens, miudezas (produtos de armarinho) e ele deixa a sede da fazenda e vai morar na vila, novamente com comércio em sociedade com seu pai.

Fazenda de Laudelino Rocha
Como vimos trouxeram seis filhos. Em Água Fria nasceram oito: Zenith, Walter, Zenaide, Vanildo, Ivan, Wagner Walter, Maria Tereza e Valquíria. Em primeiro de setembro de 1943 mudaram novamente para a sede fazenda. Exatamente um ano depois, em primeiro de setembro de 1944, nasceu o 15º rebento, que recebeu o nome dos dois avós, já que ambos se chamavam Justiniano acrescido de outro nome, Zilton que, segundo os irmãos mais velhos, viram numa revista e acharam bonito. Ainda vieram mais três: Aminadab, Valdíria e Regina Gláucia.
Fazenda de Laudelino Rocha
Teve loja em Água Fria até 1943. Com o surgimento de Nova Canaã a feira de Água Fria ficou atrofiada, começou a negociar também na nova Vila com o auxílio do filho Jacy. Em agosto de 1943 recebeu proposta do Sr. Leovegildo Matos e vendeu a mercadoria para ele. Fica sete anos sem a loja.

O marido de uma prima sua, Dourival Teixeira, tinha aberto uma pequena loja de tecidos em Nova Canaã. Indo para Salvador fazer compras para o negócio, foi vítima de um acidente fatal em Milagres. Laudelino resolve comprar a mercadoria da viúva e volta a negociar em Nova Canaã.

Conseguiu se tornar uma pessoa muito respeitada e querida tanto em Água Fria quanto em Nova Canaã. Em 1935 foi criado o Distrito de Água Fria e o Sr. Manoel Monteiro Costa foi nomeado escrivão. Poucos anos depois Laudelino Rocha é indicado e nomeado Juiz de Paz, cargo que exerceu por vários anos.


Os relatos a seguir foram feitos por Laudelino Rocha em um livro de memória (1999). Um dos fundadores da cidade de Nova Canaã. Foi comerciante, comprador de café, Juiz de Paz e um influente cidadão no início da colonização da região. 

Povoado de Água Fria
Permaneceu em Água Fria de fevereiro de 1931 a setembro de 1943 com o ramo de loja e compras de café. Em termos de negócio não fora tão vantajoso, visto que o café, produto dominante da região na época, ter baixado muito o preço, por causa da revolução de 30 no Brasil.

Em 1935 foi criado por lei o distrito de Água Fria, passando Água Fria a Vila, distrito do município de Poções, (Decreto Estadual nº 9.490 de 24 de abril de 1935). Foi nomeado escrivão do cartório o Sr. Manoel Monteiro Costa, por intervenção política do seu cunhado, Júlio Silva, de influência política em Poções. Também foram nomeados para juízes de paz do distrito recém criado, os Srs. Ramiro Souza, titular; Leovegildo Mattos, 10 suplente; Antônio Duarte, 2 suplente; e Laudelino Rocha, 31 suplente; todos apresentados pelo Leovegildo, representante político do distrito junto ao Prefeito.

Aconteceu, porém, que o Sr Rarmiro Souza exerceu o seu mandato o tempo certo e passou o exercício ao Sr. Lovegildo Mattos e esse havia sido eleito  para vereador da Câmara de Poções, e não podia exercer. Passou o exercício ao Sr. Antônio Duarte. Esse, alegando morar na fazenda, um pouco longe, renunciou e passou o exercício a mim, 3ºsuplente. Não me lembro quantos anos fiquei no exercício. Sei que tirei eu o tempo de Leovegildo, de Antônio Duarte e o meu, e mais até quando o Prefeito mandou fazer novas nomeações. Depois desse período fui nomeado duas vezes mais, sempre trabalhando muito mais do que o tempo do mandato, sempre de acordo com os Prefeitos de então. Como Juiz de casamento recebia apenas remuneração que os escrivães cobravam das partes, no caso de um acerto de questão, que é o que mais aparece para o Juiz de Paz.

Em 1938 ou 39, depois da 2º Constituinte, da revolução de 30, quando Getúlio Vargas entrava no auge dos golpes, das rasteiras do Estado Novo. Estavam em evidência o integralismo, o comunismo, o nazismo, o fascismo, até mais adiante a Bomba Atômica, energia nuclear, eletrônica, Marcone iluminando o Cristo do Corcovado, no Rio. Atualmente, só se fala em mísseis, informática, guerra química, etc. Nós aqui, nesse cantão do Brasil, só sabíamos de alguma notícia quando alguém ia â cidade, que trazia jornal, já falando também na 2ª Guerra Mundial.

Nesse período, entrou o rádio no Brasil, e na Bahia só havia em Salvador. Depois é que chegou ao interior e Poções, por intermédio do gringo Bráz Labanca, que já estava adquirindo em Salvador, por correspondência, numa casa do ramo.

Nós, de Água Fria, tivemos ideia e compramos um rádio pra coletividade. Mandamos informar do Braz, fizemos uma lista dos comerciantes e alguns fazendeiros, levantamos a importância e o Cantídio Rodrigues, que era comerciante, incumbiu‑se de adquirir o rádio, por intermédio do Bráz, pagando à vista. Poucos dias depois, chegou o Rádio em Poções, um Phillips, do tamanho de uma TV de 18 polegadas. As pilhas eram uma bateria de caminhão.

No principio do ano de 1941 o Sr. Leovigildo Matos, representante político do Prefeito de Poções em Água Fria, numa palestra depois de uma reunião da sociedade beneficente, com diversos sócios e mais pessoas moradoras em Água Fria, informou que o Prefeito havia dito a ele a respeito de Água Fria: que "se eu e os moradores do distrito não tomássemos cuidado, mais tarde seria anexado a Iguaí, cujo povoado estava desenvolvendo muito e Água Fria estava estacionada. Eu (Love), respondi: Que melhoria podemos fazer se o local de maneira nenhuma tem jeito de aumentar? Respondi ao Prefeito que a melhoria que posso fazer é ver se consigo comprar um terreno por aqui por perto que dê para a construção de uma nova sede e dar ao povo para construir, nem só os daqui como outras pessoas que vinham de fora nos ajudar 0 Prefeito (Dr. Peixoto) me respondeu que em termos de melhora para o distrito, pudesse contar com ele no que fosse possível. Visto isso, quero saber a opinião de vocês, se estão de acordo com a idéia?" No momento não houve um só protesto. Aparentemente todos aprovaram. Leovegildo saiu satisfeito e disposto a comprar o terreno, tendo em mira a fazenda Caldeirão, que foi de João Câncio, que há poucos meses havia vendido a Abílio Brito.

Leovegildo mandou buscar em Ibicuí o Dr. João Batista, engenheiro que morava lá, para vir fazer o traçado da cidade que ainda ia nascer, só com nome escolhido de Nova Canaã, nome da Igreja Batista de Água Fria. Acho que foi influência do Sr Ramiro Souza e outros batistas de Água Fria, que sugeriram ao Sr, Leovegildo pôr o nome da Igreja local.

Chegando o engenheiro agrimensor e o Sr Clemente Baliseiro residente em Itajaí, pessoa muito conhecida na região por causa da sua profissão. Já os trabalhadores de Sr. Love estavam de prontidão no local, à espera do engenheiro, para auxiliar no serviço. Dr. João Batista chegou, observou a topografia do terreno e deu inicio ao serviço de locação das primeiras ruas e praças da cidade ficando algumas ruas a periferia sem terminar a locação porque ainda havia matas e calpoeirões, que foram feitos por último, quando tudo limpo, Digo isso com base, porque acompanhei o serviço ate o fim, quase todos os dias. Durante o serviço eu sala de Água Fria, passava na fazenda que divisava com a fazenda em apreço, dava algumas determinações, descia, ia ficar com eles ajudando também ou batendo papo com o Dr. João, seu Love e o Clemente. Meio dia, seu Love mandava ir a fazenda buscar o almoço vinha um caldeirão de feijoada de todo tamanho. Eu almoçava com eles na sede da fazenda, onde estavam os trabalhadores hospedados e guardado o material de trabalho.

Sei que no dia 21 de outubro de 1941 terminou se o serviço de locação Me lembra como se fosse hoje estávamos reunidos na praça principal, em cima da estrada de pedestre, Teotônio escolheu a "quina" de cima, onde é o Bar Central, hoje sapataria Eu escolhi a "quina" de baixo, onde é a padaria de Moreno. Seu Love então ficou na outra quina, onde ficava o Banco do Brasil

As construções começaram em 1942. Seu Love ordenou que todos que quisessem construir, procurassem o encarregado de tirar alinhamento pra saber onde estava desocupado e fazer o alinhamento. Também não aceitava construir casa coberta com palhas nas principais ruas, e que dava direito também a quem quisesse construir fogo, usar um resto de madeiras num pedaço de mato que havia pertinho, e tirar pedras também, de graça.

Em 1942, quando começaram as construções, apareceu tanta gente da região, e de fora também, a construir, que no fim do ano as ruas e a praça já estavam quase todas tomadas de casas já construídas, e outras em construção. Seu Love, como tinha olaria e dinheiro, com poucos dias estavam prontos um cômodo para comércio e uma casa de residência na esquina que ele escolheu.

Dai surgiam os protestos e a má vontade contra Leovegildo. Uns diziam que se ele tivesse interesse por Água Fria, ali mesmo poderia melhorá‑la. Eu, como a favor da ideia da mudança, discutia com os "contras" dizendo que ali não havia jeito de melhorar, pois se não havia espaço de colocar uma casa a mais, como iria melhorar sem aumentar o comércio e a população?

Laudelino, apesar de ser adepto da mudança, estava também sofrendo as consequências da mesma, em termos de negócio e outros fatores. Primeiro não pude construir a casa pra negócio em Nova Canaã, na posse onde havia marcado pra levar a loja para lá. Segundo, no princípio de 1942, Valdir havia terminado o primário e tinha interesse de estudar e, por influência do Osires Marques, que estudava em Jaguaquara, ele também se interessou de ir estudar lá. Foi preciso levá‑lo e interná-lo no Colégio Taylor Egídio, a fim de continuar os estudos.

De 1930 a década de 1960 a lavoura de café, que predominava na região, por isso toda fazenda, por pequena que fosse se tivesse lavoura de café precisava ter agregados. Ou seja, mais famílias na propriedade para aproveitar o serviço das mulheres na luta da colheita do café.

Na mesma década de 1960, coma erradicarão do café na região, houve o êxodo dessas famílias; para as cidades circunvizinhas, e para São Paulo.

Em 1961 Nova Canaã finalmente se separou do município de Poções por força da Lei Estadual nº 1.540, de 8 de novembro de 1961, publicada no Diário Oficial de 12 de novembro de 1961. Em 1962 foram organizadas eleições municipais, onde foi criado o Partido Republicano (PR) local, por Manuel Monteiro Costa, que teve como candidato Jezimiel Norberto da Silva para primeiro prefeito de Nova Canaã, com o apoio dos seus amigos correligionários, inclusive de Leovegildo Rodrigues de Matos, que fazia parte do diretório do PSD (Partido Social Democrático). Havia mais dois candidatos, Samuel Miranda (PSD) e Antônio João de Oliveira (UDN - União Democrática Nacional). Em 3 de outubro de 1962 foi eleito o candidato do PR, o pastor Jezimiel Norberto da Silva.


EDIÇÃO - Fernando Matos

MONTAGEM - CURA FILMES – 2015

2 comentários:

  1. Depoimento de Laudelino Rocha, sobre os acontecimentos que ocorreram desde 1930 no Povoado de Água Fria e na Construção da Cidade de Nova Canaã – História da colonização, política, Segunda Guerra Mundial, emancipação política do município de Nova Canaã e suas divisas originais. Sr. Lau, nasceu em 23 de maio de 1903 na região do Umbuzeiro, zona rural do município de Poções, no sudoeste da Bahia. Filho de Severiana da Silva Rocha e de Justiniano da Silva Rocha. Casou-se em 1923, aos vinte anos, com Etelvita de Oliveira Silva que tinha dezesseis anos. Tiveram dezoito filhos, nove mulheres e nove homens. Teve uma vida longa 105 anos, participando ativamente dos acontecimentos contemporâneos nessa longa existência, sempre muito lúcido

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  2. Levei depois de muitos anos no local onde foi demolida Água Fria,o nosso amigo Zé Da Paz ele era filho de Valério Preto, Zé chorou quando não viu mais nada da sua infância,a igreja ja demolida e outros pontos o mesmo chorou copiosamente.

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